dezembro 22, 2016

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«Ninguém se lembraria de explicar o movimento por considerações de cor,

ao passo que o contrário é ou foi tentado.

Há, pois diversidade.

Talvez por sermos fonte de movimentos,
e não de cores - e este poder

ser
condição de explicação.
Paul Valéry, O senhor Teste, Relógio d'Água, 1985, p. 103

outubro 13, 2016

Goldman Sachs confirms $1.6B investment in Uber
Uber is still raising money, it turns out, with a new $1.6 billion in convertible debt from Goldman Sachs.
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Se é suposto ficar admirado, não entendo porquê! Sempre que algo 'mexe' ali vai a banca, o fisco e os arrendadores de espaço, cobrar a sua parte de <rendimento sem trabalho actual>, como se explicava antiga e eufemisticamente entre os docentes da economia clássica!

Mas é bem verdade que hoje em dia, com a produtividade alcançada pela engenhosidade da ciência e da tecnologia, e pela fertilidade controlada da natureza, o núcleo da questão económica

centra-se na forma de explorar com eficácia o trabalho vivo, e no modo de redistribuir os sobrelucros usurários do capital pela população activa e inactiva, sem aniquilar pela homogeneização cultural a diversidade de cada vida individual.

setembro 29, 2016


pintura: athena reveuse

Muito justa reflexão de Walter Benjamin in "Acervo filosófico", sobre a banalização do que é único enquanto criação. Lembra-me a distinção entre Física e Geometria, ponto físico e ponto matemático; este, exacto mas não real; aquele, real mas inexacto. Leibniz o ensina. Valéry, sublinha-o.

«La peinture permet de regarder les choses
en tant qu’elles ont été une fois contemplées avec amour.»

Paul Valéry, "Tel Quel", § 337.

setembro 06, 2016




CANTO DA ARTE BREVE

Horácio enganou-se ao contar
os longos anos da vida breve vivida.
O periquito que ganhou a plumagem
há uma semana, e morre mal concebe
as cores no seu corpo, é apenas breve.
O meu relógio de caixa alta, Cronos,
que como um animal ferino me segue,
é também um ser de pulso escasso
e fugaz. No sexto dia pára , e espera
que eu de novo lhe ofereça o seu bafo.
Só os meus imensos dias jamais cabem
nos versos escritos ou ditos, quotidianos,
e se somarmos as horas dos sentidos
é curta a memória e alonga-se o desejo.

Os afectos, os silêncios, os sinais
são a diversa linguagem dos meus dias
e o corpo soma a sua soma em vida.
Nunca a Arte mais se demorou
do que estas mãos que são frugais:
o pouco pão e a água abundam
nos muitos anos longos de penúria.
E é tão vária e imprecisa a vida
que não pode ficar toda contida
em palavras que apenas a resumem.
Os bens que entesourei excedem
a Arte que quisesse neles contentar-se.
Ó morte, se a vida é longa e breve
soma-lhe ainda a mudez e a cegueira
e dá tu aos versos a medida inteira.

Fiama Hasse Pais Brandão, in Cantos do Canto,
Relógio d’Água, Lisboa, 1995

setembro 05, 2016


Quatrième dialogue

«MACHIAVEL : Vous êtes un grand penseur, mais vous ne connaissez pas l’inépuisable lâcheté des peuples ; je ne dis pas de ceux de mon temps, mais de ceux du vôtre ; rampants devant la force, sans pitié devant la faiblesse, implacables pour des fautes, indulgents pour des crimes, incapables de supporter les contrariétés d’un régime libre, et patients jusqu’au martyre pour toutes les violences du despotisme audacieux, brisant les trônes dans des moments de colère, et se donnant des maîtres à qui ils pardonnent des attentats pour le moindre desquels ils auraient décapité vingt rois constitutionnels.»


Maurice Joly (1821-1878), ‘’Dialogue aux enfers entre Machiavel et Montesquieu (1864)’’

maio 08, 2016


















«Ils marchaient l’un suivant l’autre, dans une vasière moussue, à l’extrême bordure des champs. [ ] Un vol de courlis ponctuait de cris plaintiffs la tombée du jour, heure froide baignée de teintes expirantes où la lumière n’était plus qu'un reflet des choses, où les choses n’avaient plus besoin que de leurs formes et n’appelaient plus de noms. [ ]

Ce fut Marie qui se souvint d’un vers de Kipling qu’ils avaient lu ensemble:

’’We where dreamers, dreaming greatly’’(*)

(*) “Les Sept Mers”: «Nous étions des rêveurs, faisant de grands rêves»

Marc Chadourne, “Lilith”, pp.49-50

abril 22, 2016




Estou procurando,
estou procurando.
Estou tentando entender.
Tentando dar a alguém o que vivi
e não sei a quem,
mas não quero ficar com o que vivi.
Não sei o que fazer do que vivi,
tenho medo dessa desorganização profunda.
Não confio no que me aconteceu.
Aconteceu-me alguma coisa que eu,
pelo facto de não a saber como viver,
vivi uma outra?
A isso prefiro chamar desorganização
pois não quero me confirmar no que vivi
– na confirmação de mim
eu perderia o mundo como eu o tinha,
e sei que não tenho capacidade para outro.

Clarice Lispector,
(A Paixão segundo G. H.)

abril 20, 2016




Floriram por engano as rosas bravas
No Inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?


Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que num momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!


E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...


Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze — quanta flor! — do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?

 

                           Camilo Pessanha