abril 17, 2014




















«A major change occurred in markets around the turn of this century: most trading [ ] on the stock exchange was done by computers trading with other computers, using certain algorithms. Offers to buy and sell were based not on market research, on informed news about the prospects of [this or that industry or particular company], but rather on extracting information from the pattern of prices and trades, and on whatever other information a computer could absorb and processo n the fly. Offers to buy and sell were held open for a nanosecond. [ ] Of course, the prices that were determined in those nanoseconds were of no relevance to any real decision taking. [ ]

The algorithmic traders claimed that they were making markets more liquid (“deeper”), but it was a liquidity that disappeared when it was needed,when a real disturbance occurred to which the market needed to adjust. The result was that the market began to exhibit unprecedented volatility. [ ]

In fact, there are reasons to believe that flash trading actually makes markets not just more volatile but also less “informative”. Computers attempt to use complex mathematical algorithms to extract whatever information is in the market, in a modern and more sophisticated version of front runnnig, the old-style ilegal activities by which brokers try to use information they glean from those placing orders to enhance their own profits. (negrito, meu)

Of course, market participants know this. If some market researcher discovered that some company was going to do well (had just made a valuable discovery), he might rush, placing a large order. But the computer traders would immediately sense this and try to use his information for their own purpose. Today, of course, the first trader knows the game he’s playing, so he would never place alarge order, but would place a myriad of small orders.   

There´s been an arms race, where those doing the hard work of research try to keep their information away from the algorithms traders, and the algorithms traders try to break their code. One might say it’s just a waste of resources – a fight over the rents associated with early information. But it’s worse than that.

To the extent that the algorithmic traders succeed in outwitting those who do the real research, the returns to research fall; there will be less investment in information, and markets actually will convey less of the information that we care about.»   
 
Joseph Stiglitz, The Price of Inequality,
Penguin Books, London, 2013, pp. 206-8

 

abril 16, 2014

A Bolsa, há duzentos anos atrás!



«Desde a paz de 1815, o Nucingen compreendera aquilo que nós, hoje em dia, não compreendemos: que dinheiro é um poder quando existe em quantidades desproporcionadas. Tinha secretamente ciúmes dos irmãos Rosthschild. Possuía cinco milhões e queria dez! [ ] Resolveu, portanto, pôr em prática uma terceira liquidação!

O grande homem sonhava, então, pagar aos credores com valores fictícios, guardando o dinheiro para si. [ ] O Nucingen podia ter sido alvo de suspeitas, mas usou da maior esperteza: fez com que fosse outro a ficar à frente dessa máquina destinada a desempenhar o papel de Mississipi no sistema de Law.

O que era característico no Nucigen era fazer com que as pessoas hábeis acabassem por servir os seus próprios desígnios sem nada lhes comunicar. Então o Nucingen deixou escapar, perante o du Tillet, a ideia piramidal e vitoriosa da criação de uma empresa por  acções com um capital bastante forte para poder beneficiar os seus accionistas com grandes dividendos durante os primeiros tempos.

Lançada, pela primeira vez, num momento em que abundavam os capitais dos tolos, esta combinação devia provocar uma subida nas acções, e por consequência um benefício para o banqueiro que as emitia. [ ]

Era a infância da arte! Não se fazia sequer intervir a publicidade através desses anúncios gigantescos com que se estimulam as imaginações, enquanto se vai pedindo dinheiro a toda a gente… [ ]

– Enfim, a concorrência nessa espécie de empresas não existia – prosseguiu Bixiou. – [ ] Os belos negócios por acções, como diz o Couture, que tão ingenuamente se divulgam, apoiados por relatórios de peritos (os príncipes da Ciência!), tratavam-se vergonhosamente no silêncio e na sombra da Bolsa. [ ]

Progrediam [ ], com ligeiros murmúrios acerca das vantagens do negócio, ditos de ouvido para ouvido. Só exploravam o paciente, o  accionista, no domicílio, na Bolsa ou em sociedade, através desse rumor habilmente criado e que crescia até ao tutti de uma quota de quatro algarismos…

– No meu entender [– respondeu Couture], o novo método é infinitamente menos pérfido, mais leal, menos assassino que o antigo. A publicidade permite a reflexão e o exame. Se algum accionista é comido, ele foi lá propositadamente, e ninguém lhe vendeu gato por lebre. A indústria…   


– Pronto! Lá vem a indústria!... – interveio Bixiou

– A indústria ganha com isso – continuou Couture, sem ligar importância à interrupção. – Qualquer governo que se mete no comércio e não o deixa livre faz uma asneira que lhe custa caro: chega ao maximum ou ao monopólio. Segundo penso nada está mais de acordo com os princípios da liberdade do comércio que a sociedade por acções! Mexer nisso é querer ficar fiador do capital e dos lucros, o que é estúpido!

Em qualquer negócio os benefícios estão em proporção com os riscos! Que importa ao estado a maneira como se obtém o movimento rotativo do dinheiro, desde que ele esteja em perpétuo movimento? Que importa quem é rico, quem é pobre, se existe sempre a mesma quantidade de ricos colectáveis? [ ] Aliás, [ ], as sociedades por acções [ ] estão em moda no país mais comercial do mundo: a Inglaterra. E lá tudo se contesta! [ ]

– É uma bela cura para os cofres cheios!... – exclamou Bixiou. – Com artimanhas!...

– Ora essa!... – respondeu Couture, inflamado. – [ ] Senhores, confessemos entre nós que as pessoas que protestam são hipócritas desesperadas por não terem nem a ideia para um negócio, nem o poder de a lançar, nem a sensatez de a explorar. A prova não se fará esperar.

Dentro de pouco tempo verão a  aristocracia, as pessoas da corte, as que fazem parte dos ministérios descendo em colunas compactas à especulação, e avançando com as mãos aduncas e ideias mais tortuosas que as nossas, sem terem a nossa superioridade.

Que cabeça é preciso para iniciar um negócio numa época em que a avidez do accionista é igual à do inventor! [ ] Sabeis qual é a moral disto? O nosso tempo não vale mais do que nós próprios! Vivemos numa época de avidez em que ninguém se importa com o valor da coisa, desde que possa ganhar com ela transmitindo-a ao vizinho, e faz-se isso porque a avidez de um accionista que acredita num lucro é igual à do criador que lho propõe!

– É lindo o Couture, uma beleza! – chasqueou Bixiou dirigindo-se a Blondet. – Vai exigir que lhe erijamos uma estátua como a um benfeitor da humanidade.

– Será necessário, apenas, levá-lo a concluir que o dinheiro dos tolos é, por direito divino, o património dos espertos! – exclamou Blondet.

– Meus senhores – continuou Couture –, riamos aqui para compensar a seriedade que vamos manter quando ouvirmos falar dos respeitáveis idiotas que consagram as leis feitas de improviso.

– Ele tem razão! Que época, meus senhores!... – disse Blondet. – Uma época onde desde que o fogo da inteligência surge, se faz com que se extinga rapidamente pela aplicação duma lei circunstancial.


Os legisladores, quase todos provenientes dum pequeno bairro onde estudaram a sociedade através dos jornais, abafam agora o fogo graças à máquina. Quando a máquina rebenta surgem o choro e o ranger de dentes!

Um tempo em que apenas se fazem leis fiscais e penais! A grande definição do que se está passando, querem saber qual é? Já não há religião no estado!

– Ah! – proferiu Bixiou. –Bravo, Blondet! Puseste o dedo na chaga da França! O sistema fiscal conseguiu roubar mais conquistas ao nosso país que os vexames da guerra.

No ministério, onde cumpri sete anos de galés, a par com burgueses, havia um funcionário, homem de talento, que resolvera mudar todo o sistema das finanças…

Ah! Bom!... Despedimo-lo lindamente! A França teve muita sorte. Divertir-se-ia a reconquistar a Europa e nós agimos no interesse da tranquilidade das nações. Dei cabo desse [funcionário] com uma caricatura!»
 

Honoré de Balzac, “A Casa Nucingen” in
A Comédia Humana, VII Volume (Cenas da Vida
da Província), Livraria Civilização,
Lisboa, 1980, pp. 556-60.

 

abril 15, 2014

Progressão geométrica da desigualdade distributiva do rendimento
Pretendo exemplificar aritmeticamente a alteração da desigualdade da distribuição do rendimento no tempo, segundo a diferença que exista nas taxas de crescimento do rendimento disponível nas duas classes da população num país: a classe rica e a classe média, pobre ou remediada.

Seja uma sociedade distinguível em duas classes de rendimento, A e B(=1-A), com taxas de crescimento anual, a e b, repartindo-se a produção anual, e consequente rendimento líquido, pelas ditas classes nas proporções, A/(A+B) e B/(A+B); tomando o rendimento líquido (Y) distribuído pela unidade (Y=1), reportaremos todos os resultados em fracção da unidade; assim, A e (1-A) compõem o rendimento unitário (1=Y).

Podemos imaginar, para ilustração aritmética da evolução que a repartição de rendimento conhecerá no decorrer do tempo, que a situação 0, ponto de partida, seja por exemplo, 20% do rendimento (A=.2) seria obtida por 5% da população activa e o rendimento restante, 80%, (B=.8), seria distribuído por 95% dos activos. Neste estado de repartição, o rendimento médio percebido por cada 1 por cento da classe rica atinge 4 por cento do rendimento total (.2/.05=4), enquanto cada 1 por cento da classe B, equivale a 0.8 por cento do rendimento total (.8/.95=.84211). Assim, o leque de rendimento entre as duas classes é superior a 4.2 vezes (4/.84211=4.24579).

A questão interessante é a de simular a alteração da repartição de partida no decorrer do tempo, segundo a taxa de crescimento médio do produto em dado período e consoante a diferença que ocorra entre a taxa de crescimento do rendimento (produto) da classe A e a da classe B.

Partimos da partição do produto acima, A=.2; B=1-A=.8. Analisamos o resultado ao cabo de um período n, de 30 anos (n=30). Supomos uma taxa, r, de crescimento médio anual do produto Y(=1) de 4.5% (r=.045), que assumirá a grandeza a, para a classe, possidente, A e, a grandeza b, para a classe B de menores rendimentos.

Calculamos quatro casos, dois com a taxa a>r, e outros dois com a taxa a<r, ou seja, com a taxa b>r. (Vide cálculos dos casos 1 a 4, abaixo indicados)

Teremos, assim:

(1)   Y = (1+r)^n = A . (1+a)^n + (1-A) . (1+b)^n
(2)   Y1 = A . (1+a)^n
(3)   Y2 = B . (1+b)^n
(4)   Y = (1+r)^n = Y1 + Y2

Dados:  r = .045; n = 30; A =.2; B = 1-A = .8; Y = 1.045^30 = 3.74532 = Y1 + Y2

Com estes dados, a conclusão é a seguinte:

i)   quando a taxa de crescimento da classe afluente ultrapassa a do crescimento do produto (a>r), a proporção de repartição inicial de 20% e 80%, respectivamente das classes de maiores (Y1) e menores (Y2) rendimento passa a 23% e 77%, com a=5%; e, a 21% e 79%, com a=4.75%.

ii)   quando a taxa de crescimento da classe possidente é inferior à do crescimento do produto (a<r), o que, complementarmente, equivale à taxa (b), a da população de menores rendimentos ser maior que a do crescimento do produto (b>r), a partição entre as classes passa dos iniciais 20% e 80% para 14 e 86%, com b=4.75%; e, a 16% e 84%, com b=4.65%.

Para entender o que vem sucedendo na economia desde o último quartel do século XX, o forista Lark, no tema do “Portugal Falido ou no de Krugman et alter”, p.67, editou alguns artigos de Thomas Pickety, Krugman e Thomas B. Edsall que melhor abordam a evolução da repartição do produto obtido com a combinação dos factores de trabalho e capital, geradores do rendimento total, ou seja, salários e lucros, a contrapartida remuneratória dos produtores, i.e., da população activa, trabalhadores e empresários.

Parece-me algo ousada a conclusão surpreendente de Picketty de que só no período de 60 anos, de 1913 a 1973, é que historicamente sucedeu a taxa de crescimento do rendimento dos detentores de capital (= mercadorias, stocks, equipamentos, edifícios, terra, dinheiro) ter sido inferior à do crescimento do produto, e isso tomando em consideração as duas guerras mundiais com as enormes perdas de capital que ocasionaram, assim como a Grande Depressão de 1929-33, o New-Deal, a inflação monetária, e o poder dos sindicatos. Fora desse período excepcional, sempre as classes possidentes conheceram taxas de crescimento da fortuna bem superiores às das classes dependentes do trabalho assalariado e classe média.

Penso isto exagerado, e só sustentável em causas extraeconómicas, de carácter político e militar. Porque, o facto é os rendimento monopolistas (rendas, juros, direitos de autor e de patentes, etc.), assim como os de natureza de lucros sobre-normais, não podem eternizar-se e  absorver em excesso a normal produtividade dos produtores (trabalhadores independentes, assalariados e empresários).

De qualquer modo, é admirável que finalmente alguém, tal Thomas Picketty, regressa aos clássicos e elege a repartição do produto como o problema genuinamente económico, tal como o fizeram Quesnay, Adam Smith, Ricardo, Malthus e Marx.


Cálculos de repartição do rendimento em 4 casos de taxas de crescimento diferenciadas

Dados:  r = .045; n = 30; A =.2; B = 1-A = .8; Y = 1.045^30 = 3.74532 = Y1 + Y2

1º caso) a = .05 > r

Y1 = .2 x 1.05^30 = .86439
Y2 = Y - Y1 = 2.88093 = .8 x (1+b)^30
b = 3.60116^(1/30) – 1 = 4.363%
Y1 / Y = 23.079%
Y2 / Y = 76.921%

2º caso) a = .0475 > r

Y1 = .2 x 1.0475^30 = .80473
Y2 = Y - Y1 = 2.94059 = .8 x(1+b)^30
b = 3.67574^(1/30) – 1 = 4.435%
Y1 / Y = 21.486%
Y2 / Y = 78.514%

3º caso) b = .0475>r

Y2 = .8 x 1.0475^30 = 3.21893
Y1 = Y – Y2 = .53639 = .2 x (1+a)^30
a = 2.63197^(1/30) – 1 = 3.278%
Y1 / Y = 14.055%
Y2 / Y = 85.945%

4º caso) b = .0465>r

Y2 = .8 x 1.0465^30 = 3.12800
Y1 = Y – Y2 = .61732 = .2 x (1+a)^30
a = 3.08660^(1/30) – 1 = 3.828%
Y1 / Y = 16.482%
Y2 / Y = 83.518%

abril 08, 2014

Às vezes mesmo,
por puro prazer,
inventava reflexões:

se uma pedra cai,
essa pedra existe,
houve uma força que fez com que ela caísse,
um lugar de onde ela caiu,
um lugar onde ela caiu,

— acho que nada escapou à natureza do facto,
a não ser o próprio mistério do facto.


Clarice Lispector, Perto do coração selvagem,
Relógio d’Água, 2000 [1944], p.93

abril 05, 2014














Esta rosa entra na rosa.
E o vidro absorve as outras
que estão vivas nos reflexos.
Tripla beleza que aparece
e termina pela virtude

da omnipresença dos versos.
Ouvem-se as variações das vozes
das aves sobre os jazigos sós,
no cemitério onde persigo adrede
a personagem do início,
o ser que está a ser.

Fiama Hasse Pais Brandão