junho 29, 2010


Tenho imensas coisas para fazer. Hei-de
morrer com imensas coisas por fazer.

:)

junho 26, 2010



LONGA VIDA AO MEXILHÃO DO RIO
[ou Se o rídiculo matasse*]

O Ministério do Ambiente chumba a construção da barragem de Pedroselos, no Alto Tâmega. Motivo: a descoberta de que ali vive uma espécie em vias de extinção, conhecida por mexilhão do rio.

Não sei o que mais admirar: se o Ministério do Ambiente, que nunca tinha dado por que no Alto Tâmega se desenrolava este drama; se a Iberdrola, que ao investir ali, alertou para a tragédia; se o próprio mexilhão, que mesmo à beira da morte, conseguiu fazer ouvir a sua voz desesperada.

Interroga-se o leitor: mas que importância transcendente tem o mexilhão do rio para Portugal? Não se sabe. Mas o certo é que a Iberdrola, que já pagou €303 milhões ao Estado Português pela construção de quatro barragens no Alto Tâmega, ou constrói esta noutro local ou redistribui a potência das outras quatro por apenas três.

Isto, claro, se nas margens das outras não se descobrir que uma raríssima pulga da areia está em vias de extinção... Decididamente, o rídiculo não mata. Mas custa imenso tempo e dinheiro.

Nicolau Santos, in Expresso-26-6-2010

* Subtítulo meu.

junho 24, 2010




C'est drôl' c'que t'es drôle à r'garder
T'es là, t'attends, tu fais la tête
Et moi j'ai envie d'rigoler
C'est l'alcool qui monte en ma t^te

Tout l'alcool que j'ai pris ce soir
Afin d'y puiser le courage
De t'avouer que j'en ai marr'
De toi et de tes commérages

De ton corps qui me laisse sage
Et qui m'enlève tout espoir
J'en ai assez faut bien qu'j'te l'dise
Tu m'exaspèr's, tu m'tyrannises

Je subis ton sal'caractèr'
Sans oser dir' que t'exagèr's
Oui t'exagèr's, tu l'sais maint'nant
Parfois je voudrais t'étrangler

Dieu que t'as changé en cinq ans
Tu l'laisses aller, Tu l'laisses aller
Ah ! tu es belle à regarder
Tes bas tombant sur tes chaussures

Et ton vieux peignoir mal fermé
Et tes bigoudis quelle allure
Je me demande chaque jour
Comment as-tu fait pour me plaire

Comment ai-j' pu te faire la cour
Et t'aliéner ma vie entière
Comm' ça tu ressembles à ta mère
Qu'a rien pour inspirer l'amour

D'vant mes amis quell' catastroph'
Tu m'contredis, tu m'apostrophes
Avec ton venin et ta hargne
Tu ferais battre des montagnes

Ah ! j'ai décroché le gros lot
Le jour où je t'ai rencontrée
Si tu t'taisais, ce s'rait trop beau
Tu l'laisses aller, Tu l'laisses aller

Tu es un'brute et un tyran
Tu n'as pas de c?ur et pas d'âme
Pourtant je pense bien souvent
Que malgré tout tu es ma femme

Si tu voulais faire un effort
Tout pourrait reprendre sa place
Pour maigrir fais un peu de sport
arranges-toi devant ta glace

Accroche un sourire à ta face
Maquille ton c?ur et ton corps
Au lieu d'penser que j'te déteste
Et de me fuir comme la peste

Essaie de te montrer gentille
Redeviens la petite fille
Qui m'a donné tant de bonheur
Et parfois comm' par le passé

J'aim'rais que tout contre mon c?ur
Tu l'laisses aller, Tu l'laisses aller

junho 15, 2010






Era assim;
já não é!

junho 14, 2010

junho 13, 2010

junho 12, 2010




«Um idiota preguiçoso continua sempre a ser um idiota! E um preguiçoso inteligente é alguém que reflectiu acerca do mundo em que vive. Não se trata, pois, de preguiça. É tempo de reflexão. E quanto mais preguiçoso fores, mais tempo tens para reflectir. E é por isso que no Oriente, isso se designa por filosofia oriental... A maior parte das pessoas tem tempo. Quanto mais se desce para sul, mais encontramos profetas, magos, pessoas que reflectiram sobre o mundo.»





Michel Mitrani, Conversas com Albert Cossery,
(«Conversation avec Albert Cossery», 1995),
Antígona, Lisboa, 2002

junho 11, 2010

(continuação)

«Esta novidade ainda não o saciara. Até a leitura do jornal, que costumava ser o alimento essencial da sua boa disposição, — graças a um universo fértil em demências de toda a espécie — vinha agora em segundo lugar, depois de ele ficar ali espraiando a vista até ao horizonte.

Daquele sexto andar, como um explorador no cimo de uma montanha, Karim dominava a cidade e os seus múltipos antros — onde agitava, com os olhos postos na prosperidade, a multidão dos imbecis e dos filhos da puta.

Esta vista geral de uma sociedade entregue à mais sangrenta ladroeira transmitia-lhe um prazer sem limites. Cada vez mais, considerava a sua nova residência um observatório onde as suas faculdades humorísticas podiam medrar com toda a liberdade.»

(fim da transcrição)

Albert Cossery, A violência e o escárnio,
(«La violence et la dérision», 1964),
trad. Júlio Henriques, Antígona,
Lisboa, 1999, pp. 17-18

Até a leitura do jornal... vinha agora em segundo lugar

... espraiando a vista até ao horizonte.

Esta vista geral de uma sociedade...

junho 10, 2010

«Ao ouvir a porta fechar-se atrás da rapariga, Karim sentiu-se aliviado de um grande peso. Ia por fim poder respirar à vontade. Saltou da cama e, apertando o cordão das calças do pijama, saiu para o terraço.

Morava desde há uns oito dias neste quarto, onde desfrutava uma soberba vista para o mar; fora uma agradável mudança, pois o seu precedente alojamento, sombrio e sem ar, era um autêntico pardieiro dos bairros indígenas.

E desde que ali morava, acordava todas as manhãs com um sentimento de descuidosa alegria. A primeira coisa que fazia era ir para o terraço, para gozar o espectáculo que aquela situação privilegiada lhe oferecia.»

(continua)

Albert Cossery, A violência e o escárnio,
(«La violence et la dérision», 1964),
trad. Júlio Henriques, Antígona,
Lisboa, 1999,

A primeira coisa que fazia era ir para o terraço...

junho 09, 2010

«— Sei apenas duas coisas muito simples, disse Heikal. [ ]
— Diz-me então a primeira dessas coisas. Sou todo ouvidos.
— A primeira é que o mundo emque vivemos é regido pela mais ignóbil quadrilha de tratantes que alguma vez pisou o chão deste planeta.
— Subscrevo por inteiro essa afirmação. E a segunda?
— A segunda é esta: acima de tudo, convém não os levarmos a sério; é isso que eles querem, que os levemos a sério.»

(do capítulo V, na contracapa)




Albert Cossery, A violência e o escárnio,
(«La violence et la dérision», 1964),
trad. Júlio Henriques, Antígona,
Lisboa, 1999,

junho 08, 2010


«Era Inverno, o terrível Inverno do Egipto miserável. O dia começara no horror de um frio glacial. De início, o vento importunara a cidade moderna e as suas construções em betão armado, semelhantes a fortalezas invencíveis. Depois, irrompeu como um selvagem nos bairros populares. Aí, nenhum obstáculo sério se opunha à grandeza do seu ímpeto. Fizera as suas investidas no infinito dos casebres e inundara as vielas com o seu fôlego devastador. Um vento glacial, carregado de uma humidade nociva, passava através das paredes vacilantes dos tugúrios, modelava ruínas, enrolava-se em torno de escombros infames, suscitando,por toda a parte, o odor pestilento da miséria.»

Albert Cossery, A casa da morte certa,
(«La maison de la mort certain», 1975),
trad. Ana Margarida Paixão, Antígona,
Lisboa, 2001, (p.7)

junho 07, 2010

(continuação 2)

«Por cima das ruelas, por detrás das persianas
fechadas, invisíveis, as mulheres
falavam de uma janela para outra
e os seus discursos aéreos,
com sonoridades perturbadoras,
faziam lembrar um conciliábulo
de bruxas preparando sortilégios.

Toda aquela populaça parecia
viver na ignorância das tormentas
que pairavam por cima da cidade,
apesar da aparência de um céu
ultrajantemente limpo.»

(fim da transcrição)

Albert Cossery, Uma ambição no deserto,
(«Une ambition dans le désert», 1975),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2002,
(p.27-8)

falavam de uma janela para outra
apesar da aparência de um céu
ultrajantemente limpo

junho 06, 2010

(continuação 1)

«Em redor das fontes públicas, as crianças, seminuas,
empurravam-se enquanto se refrescavam
molhando-se umas às outras, num tumulto
alegre trespassado por gritos e injúrias.

Jovens elegantes, retesados nos seus trajes
de gala, exercitavam-se a lançar olhares
enamorados em direcção a criaturas
voluptuosas inexistentes.»

(continua)

Albert Cossery, Uma ambição no deserto,
(«Une ambition dans le désert», 1975),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2002,
(p.27-8)

Foto in World of Stock
Em redor das fontes públicas, as crianças, seminuas

olhares enamorados em direcção
a criaturas voluptuosas inexistentes

junho 05, 2010

«A tarde caía e uma população em azáfama
apoderava-se das esplanadas dos cafés,
onde intermináveis discursos decorriam já.

Vendedores ambulantes, ainda a despertar
da sesta, apregoavam com uma voz lânguida
a suculência dos frutos e dos legumes,
fazendo uso de comparações disparatadas
e, por vezes, mesmo obscenas.»

(continua)

Albert Cossery, Uma ambição no deserto,
(«Une ambition dans le désert», 1975),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2002,
(pp. 27-28)

apoderava-se das esplanadas dos cafés

Vendedores ambulantes

junho 04, 2010

(continuação 7)

«Era precisamente essa linguagem humana
que encantava Samantar, linguagem que,
um pouco por todo o mundo,

fora substituída por um idioma bastardo
— apanhado nos caixotes do lixo do comércio
e da publicidade —, não visando em bom rigor
o homem, e do qual toda e qualquer noção
de emoção ou de sentimento estava excluída.»

(fim da transcrição)

Albert Cossery, Uma ambição no deserto,
(«Une ambition dans le désert», 1975),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2002,
(pp. 15-16-17)

essa linguagem humana que encantava

junho 03, 2010



Dá-me lume

Chegaste com três vinténs
E o ar de quem não tem
Muito mais a perder
O vinho não era bom
A banda não tinha tom
Mas tu fizeste a noite apetecer
Mandaste a minha solidão embora
Iluminaste o pavilhão da aurora
Com o teu passo inseguro
E o paraíso no teu olhar

Eu fiquei louco por ti
Logo rejuvenesci
Não podia falhar
Dispondo a meu favor
Da eloquência do amor
Ali mesmo à mão de semear
Mostrei-te a origem do bem e o reverso
Provei-te que o que conta no universo
É esse passo inseguro
E o paraíso no teu olhar

Dá-me lume, dá-me lume
Deixa o teu fogo envolver-me
Até a música acabar
Dá-me lume, não deixes o frio entrar
Faz os teus braços fechar-me as asas
Há tanto tempo a acenar

Eu tinha o espírito aberto
Às vezes andei perto
Da essência do amor
Porém no meio dos colchões
No meio dos trambolhões
A situação era cada vez pior
Tu despertaste em mim um ser mais leve
E eu sei que essencialmente isso se deve
A esse passo inseguro
E ao paraíso no teu olhar

Dá-me lume, dá-me lume
Deixa o teu fogo envolver-me
Até a música acabar
Dá-me lume, não deixes o frio entrar
Faz os teus braços fechar-me as asas
Há tanto tempo a acenar

Se eu fosse compositor
Compunha em teu louvor
Um hino triunfal
Se eu fosse crítico de arte
Havia de declarar-te
Obra-prima à escala mundial
Mas eu não passo dum homem vulgar
Que tem a sorte de saborear
Esse teu passo inseguro
E o paraíso no teu olhar
Esse teu passo inseguro
E o paraíso no teu olhar
______________________________________

1989 - letra e música de Jorge Palma
(continuação 6)

«Contudo, enquanto se desencaminhavam multidões
submetidas às normas de uma ética bárbara,
aqui, em Dofa, a pobreza do país
havia deixado a vida escorrer preguiçosamente
e o povo consagrar-se sem esforços degradantes
a ocupações benéficas, tais como a pesca,
a horticultura, um artesanato aperfeiçoado
na indolência e na dignidade; e, sobretudo,
o povo assinalara aqui a sua resistência
às modas decadentes, continuando a exprimir-se

por meio de uma linguagem humana.»

(continua)

Albert Cossery, Uma ambição no deserto,
(«Une ambition dans le désert», 1975),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2002,
(pp. 15-16-17)

ocupações benéficas, tais como a pesca

a horticultura

um artesanato aperfeiçoado
na indolência e na dignidade

junho 02, 2010

(continuação 5)

«Samantar lamentava frequentemente a sorte
daqueles infelizes, que ambiciosos potentados
haviam reduzido ao estatuto de escravos ao serviço
de uma potência estrangeira sem alma, a mais
pérfida e corrupta de todas as nações.»

(continua)

Albert Cossery, Uma ambição no deserto,
(«Une ambition dans le désert», 1975),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona,

Lisboa, 2002, pp.15-6-7

uma potência estrangeira sem alma

junho 01, 2010

(continuação 4)

«Eles que haviam conhecido a eternidade dos horizontes,
a limpidez do céu por cima dos oásis verdejantes e
os amanheceres benfazejos debaixo da tenda,
tinham-se transformado em exilados
no seu próprio reino.»

(continua)

Albert Cossery, Uma ambição no deserto,
(«Une ambition dans le désert», 1975),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona,

Lisboa, 2002, pp.15-6-7

a limpidez do céu por cima dos oásis verdejantes

... a eternidade dos horizontes